O fato de um empregado ter sofrido acidente ou contraído doença ocupacional no trabalho obriga necessariamente o empregador a indenizá-lo ou é necessário comprovar que o infortúnio aconteceu por culpa da empresa? A indagação divide tanto doutrina quanto jurisprudência, e ainda não teve uma resposta definitiva do Tribunal Superior do Trabalho. O Anuário da Justiça Brasil 2011, no entanto, em levantamento inédito, entrevistou cada um dos 27 ministros em busca de posições, e constatou: a grande maioria exige que o reclamante prove a culpa do patrão.
A questão é apenas uma das 30 feitas a todos os ministros no mês de dezembro, para o Anuário da Justiça. Divididas por tribunal e por área, as perguntas feitas têm o intuito de identificar como pensa quem realmente vai colocar um ponto final em cada uma das dúvidas mais polêmicas que circulam pelo Judiciário.
A quinta edição do Anuário da Justiça Brasil 2011 será lançada, na próxima quinta-feira (31/3), às 18h30, no Supremo Tribunal Federal, juntamente com o livro As Constituições do Brasil, coordenado pelo presidente da corte, ministro Cezar Peluso.
Motivo de inúmeros processos pedindo indenização por danos morais na Justiça do Trabalho, a responsabilidade do empregador por doenças ocupacionais ou por acidentes que causam redução de capacidade para o trabalho divide a maior e mais alta corte especializada do país. Delicado, o tema se subdivide em ramificações complicadoras, que vão além da dicotomia entre a necessidade ou não de prova de culpa.
Hoje, a tese com maior força no TST é a de que o empregado precisa comprovar que o patrão não tomou medidas necessárias para impedir o acidente ou a doença, como o fornecimento de equipamentos de segurança ou a permissão para intervalos consecutivos em tarefas repetitivas. Dos 27 ministros, 25 são adeptos do entendimento. Apenas os ministros Lelio Corrêa e Rosa Maria Weber responderam que, ocorrido o dano, é a empresa quem tem sempre a obrigação de provar que fez tudo o que estava ao seu alcance para evitá-lo.
No entanto, essa maioria se divide quando o caso envolve atividades sabidamente de risco, como vigilância e segurança, e serviços em rede elétrica ou em postos de gasolina, por exemplo. Nessas situações, o trabalhador não precisa comprovar a culpa do empregador — presumida, devido ao risco — na opinião de 17 ministros. Apenas oito entendem que mesmo assim o empregado precisa instruir o processo com provas de que o patrão foi omisso.
Opiniões fracionárias
A maioria se repete também nos órgãos do colegiado. Na Seção de Dissídios Coletivos, oito ministros entendem que a responsabilidade é subjetiva, exceto nos casos de atividade de risco, em que é objetiva. Apenas o ministro Barros Levenhagen, corregedor-geral da Justiça do Trabalho, se posiciona a favor da responsabilidade subjetiva em todos os casos. O ministro Maurício Godinho Delgado, adepto da responsabilidade subjetiva, esclarece que a jurisprudência caminha para a presunção da culpa. “Há presunção de culpa do empregador mesmo quando a atividade não é de risco, porque é ele quem controla e fiscaliza o ambiente laborativo”, disse ao Anuário.
A questão é apenas uma das 30 feitas a todos os ministros no mês de dezembro, para o Anuário da Justiça. Divididas por tribunal e por área, as perguntas feitas têm o intuito de identificar como pensa quem realmente vai colocar um ponto final em cada uma das dúvidas mais polêmicas que circulam pelo Judiciário.
A quinta edição do Anuário da Justiça Brasil 2011 será lançada, na próxima quinta-feira (31/3), às 18h30, no Supremo Tribunal Federal, juntamente com o livro As Constituições do Brasil, coordenado pelo presidente da corte, ministro Cezar Peluso.
Motivo de inúmeros processos pedindo indenização por danos morais na Justiça do Trabalho, a responsabilidade do empregador por doenças ocupacionais ou por acidentes que causam redução de capacidade para o trabalho divide a maior e mais alta corte especializada do país. Delicado, o tema se subdivide em ramificações complicadoras, que vão além da dicotomia entre a necessidade ou não de prova de culpa.
Hoje, a tese com maior força no TST é a de que o empregado precisa comprovar que o patrão não tomou medidas necessárias para impedir o acidente ou a doença, como o fornecimento de equipamentos de segurança ou a permissão para intervalos consecutivos em tarefas repetitivas. Dos 27 ministros, 25 são adeptos do entendimento. Apenas os ministros Lelio Corrêa e Rosa Maria Weber responderam que, ocorrido o dano, é a empresa quem tem sempre a obrigação de provar que fez tudo o que estava ao seu alcance para evitá-lo.
No entanto, essa maioria se divide quando o caso envolve atividades sabidamente de risco, como vigilância e segurança, e serviços em rede elétrica ou em postos de gasolina, por exemplo. Nessas situações, o trabalhador não precisa comprovar a culpa do empregador — presumida, devido ao risco — na opinião de 17 ministros. Apenas oito entendem que mesmo assim o empregado precisa instruir o processo com provas de que o patrão foi omisso.
Opiniões fracionárias
A maioria se repete também nos órgãos do colegiado. Na Seção de Dissídios Coletivos, oito ministros entendem que a responsabilidade é subjetiva, exceto nos casos de atividade de risco, em que é objetiva. Apenas o ministro Barros Levenhagen, corregedor-geral da Justiça do Trabalho, se posiciona a favor da responsabilidade subjetiva em todos os casos. O ministro Maurício Godinho Delgado, adepto da responsabilidade subjetiva, esclarece que a jurisprudência caminha para a presunção da culpa. “Há presunção de culpa do empregador mesmo quando a atividade não é de risco, porque é ele quem controla e fiscaliza o ambiente laborativo”, disse ao Anuário.
Na Subseção de Dissídios Individuais I, responsável por dirimir controvérsias entre os colegiados da corte, apenas os ministros Lelio Corrêa (foto) e Rosa Maria Weber são adeptos da obrigação da empresa em qualquer caso. “Acidente de trabalho enseja responsabilidade objetiva do empregador, que tem obrigação de zelar pela saúde e higiene do ambiente”, diz ele. “O que o empregador pode argumentar é a culpa exclusiva do empregado pelo acidente, por negligência, imperícia ou imprudência.” A ministra Rosa Maria lembra que a moléstia profissional é equiparada ao acidente de trabalho. “Suponhamos que um trabalhador seja acometido por LER, sofra limitações e fique demonstrado que se trata de uma doença ocupacional. Nesse caso, não é necessário demonstrar a culpa do empregador. A culpa é presumida”, afirma.
No entanto, para cinco integrantes da subseção, a responsabilidade precisa sim ficar demonstrada. “É preciso provar a culpa em determinados casos, até de modo indiciário”, diz o ministro Brito Pereira. Segundo ele, não basta ao empregador fornecer o equipamento de segurança. É preciso que também fique atento para ver se o funcionário o está usando. Posição semelhante têm os ministros Barros Levenhagen, Renato de Lacerda Paiva, José Roberto Pimenta e Delaíde Miranda Arantes.
A mesma divisão se verifica na SDI-II, que julga ações específicas como Cautelares, Rescisórias, Conflitos de Competência, Mandados de Segurança e Habeas Corpus. Quatro ministros afirmam que a responsabilidade é objetiva, mas seis ressalvam as atividades de risco como exceções à regra. Nenhum se alinha à tese da responsabilidade objetiva. Veja abaixo o entendimento de cada um dos ministros.
No entanto, para cinco integrantes da subseção, a responsabilidade precisa sim ficar demonstrada. “É preciso provar a culpa em determinados casos, até de modo indiciário”, diz o ministro Brito Pereira. Segundo ele, não basta ao empregador fornecer o equipamento de segurança. É preciso que também fique atento para ver se o funcionário o está usando. Posição semelhante têm os ministros Barros Levenhagen, Renato de Lacerda Paiva, José Roberto Pimenta e Delaíde Miranda Arantes.
A mesma divisão se verifica na SDI-II, que julga ações específicas como Cautelares, Rescisórias, Conflitos de Competência, Mandados de Segurança e Habeas Corpus. Quatro ministros afirmam que a responsabilidade é objetiva, mas seis ressalvam as atividades de risco como exceções à regra. Nenhum se alinha à tese da responsabilidade objetiva. Veja abaixo o entendimento de cada um dos ministros.
Apesar de sua posição, o ministro Renato de Lacerda Paiva admite que a responsabilização das empresas pode ameaçar a fonte de renda dos trabalhadores. “A maior parte dos casos que chegam ao TST é de grandes empresas, que podem arcar com uma pensão vitalícia. Mas 90% dos trabalhadores brasileiros estão alocados nas micro e pequenas empresas, que não têm essa condição”, pondera.
Profissão de risco
A obrigação do reclamante de comprovar a culpa do empregador também é ponto pacífico para outros sete membros da SDI-I, mas com uma ressalva. No caso de atividade de risco, essa necessidade cai, e é a empresa quem deve mostrar que tomou as medidas necessárias. Nessa linha pensam João Dalazen (foto), presidente da corte, Maria Cristina Peduzzi, vice-presidente, e os ministros Moura França, Carlos Alberto, Aloysio Veiga, Horácio Senna Pires e Augusto César.
“Na hipótese de a empresa em que atua o empregado desenvolver atividade de risco, adota-se a responsabilidade objetiva prevista no artigo 927 do Código Civil, que não depende de culpa”, explica o presidente.
O ministro Horácio Senna Pires lembra que o texto constitucional estipula a responsabilidade subjetiva, mas que o Código Civil inseriu a atividade de risco como exceção. É o artigo 7º, inciso XXVIII da Constituição, que estipula o direito dos trabalhadores à indenização em caso de acidente. De acordo com o dispositivo, a obrigação é inerente quanto o empregador “incorrer em dolo ou culpa”, o que acende o debate.
Para o ministro Aloysio Veiga, não existe responsabilidade objetiva, mas culpa presumida. “Se o risco da atividade é acentuado de modo que a possibilidade de infortúnio foge do parâmetro da normalidade, presume-se a culpa”, diz.
A obrigação do reclamante de comprovar a culpa do empregador também é ponto pacífico para outros sete membros da SDI-I, mas com uma ressalva. No caso de atividade de risco, essa necessidade cai, e é a empresa quem deve mostrar que tomou as medidas necessárias. Nessa linha pensam João Dalazen (foto), presidente da corte, Maria Cristina Peduzzi, vice-presidente, e os ministros Moura França, Carlos Alberto, Aloysio Veiga, Horácio Senna Pires e Augusto César.
“Na hipótese de a empresa em que atua o empregado desenvolver atividade de risco, adota-se a responsabilidade objetiva prevista no artigo 927 do Código Civil, que não depende de culpa”, explica o presidente.
O ministro Horácio Senna Pires lembra que o texto constitucional estipula a responsabilidade subjetiva, mas que o Código Civil inseriu a atividade de risco como exceção. É o artigo 7º, inciso XXVIII da Constituição, que estipula o direito dos trabalhadores à indenização em caso de acidente. De acordo com o dispositivo, a obrigação é inerente quanto o empregador “incorrer em dolo ou culpa”, o que acende o debate.
Para o ministro Aloysio Veiga, não existe responsabilidade objetiva, mas culpa presumida. “Se o risco da atividade é acentuado de modo que a possibilidade de infortúnio foge do parâmetro da normalidade, presume-se a culpa”, diz.
Aplicação subsidiária
Sobrepor o Código Civil à Constituição, no entanto, pode levar a discussão ao Supremo Tribunal Federal, como alerta Barros Levenhagen (foto). “Há quem entenda que a regra do Código Civil de que atividade de risco enseja responsabilidade presumida pode ser aplicada, a despeito de a Constituição dizer que a responsabilidade é subjetiva. Eu insisto que a matéria ganhou patamar constitucional e o legislador infraconstitucional não pode prevalecer ao constituinte”, analisa.
Outro problema que decorre do uso do Código Civil é qualificar atividades como de risco ou não. A ministra Maria Cristina Peduzzi lembra das profissões de motorista e segurança. A inclusão dos motoristas na categoria se deve a uma decisão recente do colegiado. Segundo o ministro Alberto Luiz Bresciani, a previsão só se aplica aos casos de viagens em rodovias de reconhecido perigo. Horácio Senna Pires cita os trabalhadores que executam reparos na rede elétrica.
Já Maria Calsing atribui a classificação, em parte, ao pagamento de adicional. “O trabalho em posto de gasolina é atividade reconhecidamente de risco, tanto que o empregado ganha adicional de periculosidade”, afirma. Maria Doralice Novaes discorda. “Nem toda atividade que demanda adicional de periculosidade é de risco, como postos de gasolina”, exemplifica. Em seu conceito, a atividade é de risco quando ameaça toda a sociedade, como no caso de minas de subsolo usadas na mineração para causar explosões, ou no de empresas de segurança armada.
Ramificações da regra
Na opinião do ministro Vieira de Mello Filho, mesmo que a responsabilidade seja subjetiva, há casos em que cabe ao empregador comprovar a preocupação. “Se um trabalhador desenvolve doença ocupacional, o ônus da prova é invertido: a empresa tem de provar que tomou todos os cuidados a seu alcance para evitar o dano à saúde do trabalhador. Esse é um caso de responsabilidade subjetiva, mas com culpa objetiva”, explica.
O ministro Walmir Oliveira da Costa segue o conceito, mas inverte os tipos de infortúnio que motivam a responsabilidade objetiva. “Em acidentes de trabalho, a culpa também é presumida. Entretanto, nos casos de doenças ocupacionais, o tribunal não reconhece nexo de causalidade nem culpa objetiva”, diz. Porém, completa: “o dano moral decorre da própria conduta ofensiva, e não precisa ser provado”.
A dificuldade de comprovar a culpa também pode mudar a prática no decorrer do processo. “Nos casos mais complicados de se fazer prova, pode-se inverter o ônus para a empresa”, lembra o ministro Carlos Alberto. “Há casos nos quais, como a prova é de difícil apuração e não há a possibilidade de perícias, inverte-se o ônus”, concorda a ministra Dora Maria da Costa.
Sobrepor o Código Civil à Constituição, no entanto, pode levar a discussão ao Supremo Tribunal Federal, como alerta Barros Levenhagen (foto). “Há quem entenda que a regra do Código Civil de que atividade de risco enseja responsabilidade presumida pode ser aplicada, a despeito de a Constituição dizer que a responsabilidade é subjetiva. Eu insisto que a matéria ganhou patamar constitucional e o legislador infraconstitucional não pode prevalecer ao constituinte”, analisa.
Outro problema que decorre do uso do Código Civil é qualificar atividades como de risco ou não. A ministra Maria Cristina Peduzzi lembra das profissões de motorista e segurança. A inclusão dos motoristas na categoria se deve a uma decisão recente do colegiado. Segundo o ministro Alberto Luiz Bresciani, a previsão só se aplica aos casos de viagens em rodovias de reconhecido perigo. Horácio Senna Pires cita os trabalhadores que executam reparos na rede elétrica.
Já Maria Calsing atribui a classificação, em parte, ao pagamento de adicional. “O trabalho em posto de gasolina é atividade reconhecidamente de risco, tanto que o empregado ganha adicional de periculosidade”, afirma. Maria Doralice Novaes discorda. “Nem toda atividade que demanda adicional de periculosidade é de risco, como postos de gasolina”, exemplifica. Em seu conceito, a atividade é de risco quando ameaça toda a sociedade, como no caso de minas de subsolo usadas na mineração para causar explosões, ou no de empresas de segurança armada.
Ramificações da regra
Na opinião do ministro Vieira de Mello Filho, mesmo que a responsabilidade seja subjetiva, há casos em que cabe ao empregador comprovar a preocupação. “Se um trabalhador desenvolve doença ocupacional, o ônus da prova é invertido: a empresa tem de provar que tomou todos os cuidados a seu alcance para evitar o dano à saúde do trabalhador. Esse é um caso de responsabilidade subjetiva, mas com culpa objetiva”, explica.
O ministro Walmir Oliveira da Costa segue o conceito, mas inverte os tipos de infortúnio que motivam a responsabilidade objetiva. “Em acidentes de trabalho, a culpa também é presumida. Entretanto, nos casos de doenças ocupacionais, o tribunal não reconhece nexo de causalidade nem culpa objetiva”, diz. Porém, completa: “o dano moral decorre da própria conduta ofensiva, e não precisa ser provado”.
A dificuldade de comprovar a culpa também pode mudar a prática no decorrer do processo. “Nos casos mais complicados de se fazer prova, pode-se inverter o ônus para a empresa”, lembra o ministro Carlos Alberto. “Há casos nos quais, como a prova é de difícil apuração e não há a possibilidade de perícias, inverte-se o ônus”, concorda a ministra Dora Maria da Costa.
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