No julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 16, ocorrido no
dia 24/11/2010, o Supremo Tribunal Federal decidiu que o artigo 71,
parágrafo 1º, da Lei 8.666/93 (Lei de Licitações) é constitucional. A
decisão afasta a responsabilidade objetiva de órgãos públicos pelo pagamento
de débitos trabalhistas e fiscais de empresas terceirizadas inadimplentes.
Esse posicionamento do STF teve grande repercussão no mundo do trabalho,
aumentou a polêmica que já existia em torno do tema e fez surgir uma dúvida
no meio jurídico: caso uma empresa terceirizada descumpra as obrigações
patronais, o órgão público tomador dos serviços estará livre de arcar com a
dívida trabalhista? A juíza substituta Rosângela Alves da Silva Paiva trouxe
a sua resposta para esse questionamento ao julgar várias ações que versavam
sobre a matéria, ajuizadas perante a Vara do Trabalho de Ponte Nova - Posto
Avançado de Viçosa. Na visão da julgadora, os órgãos públicos não estão
isentos de responsabilidade pelo simples fato de a empresa contratada ter
participado do processo de licitação. Não! O seu dever não termina no
momento em que finaliza o processo licitatório, enfatizou.
A Vara recebeu um número expressivo de reclamações trabalhistas envolvendo a
Universidade Federal de Viçosa, vários empregados terceirizados e uma
empresa prestadora de serviços de conservação e limpeza. Muitos
ex-empregados denunciaram, em suas ações, que eram obrigados, pela empresa
fornecedora de mão-de-obra, a cadastrarem senha da conta-salário utilizando
os quatro últimos dígitos do CPF. Um pedreiro que prestou serviços nas
dependências da UFV pediu na Justiça o pagamento das verbas rescisórias não
quitadas pela empregadora e de uma indenização por danos morais, pela quebra
do sigilo bancário. Ao examinar a prova testemunhal, a magistrada constatou
que a preposta da empresa tinha conhecimento da senha numérica dos
empregados e concluiu que ocorreu violação do sigilo que envolve as
operações bancárias e a privacidade do pedreiro. Por essa razão, a
magistrada condenou a empregadora ao pagamento de uma indenização por danos
morais, fixada em R$10.000,00, além das parcelas rescisórias devidas. De
acordo com a sentença, no caso de descumprimento da obrigação pela devedora
principal, a dívida trabalhista deverá ser paga pela UFV.
Conforme esclareceu a magistrada em sua sentença, a questão da
responsabilidade dos órgãos públicos nos casos de terceirização de
mão-de-obra deve ser analisada agora à luz do atual posicionamento do STF.
Por maioria de votos, o STF declarou que é constitucional o artigo 71,
parágrafo 1º, da Lei de Licitações. Esse dispositivo legal prevê que a
inadimplência de contratado pelo Poder Público em relação a encargos
trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a
responsabilidade por seu pagamento, nem pode onerar o objeto do contrato ou
restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive
perante o Registro de Imóveis. Mas, por outro lado, existe também o
entendimento expresso na Súmula 331, IV, do TST, cujo teor é o seguinte: O
inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica
a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas
obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das
autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades
de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e
constem também do título executivo judicial (art. 71 da Lei nº 8.666, de
21.06.1993) . Entretanto, apesar da aparente contradição de ideias, a
julgadora ressalta que a decisão do STF não torna inaplicável o entendimento
contido na Súmula do TST. Isso porque houve consenso no sentido de que a JT
não poderá generalizar os casos e terá que investigar com mais rigor se a
inadimplência tem como causa principal a falha ou a falta de fiscalização
pelo órgão público contratante.
Conforme observou a magistrada, antes do julgamento da ADC 16, era isso
mesmo o que acontecia na prática: o ente público poderia responder, de forma
subsidiária, pelo dano causado aos trabalhadores, com base na ocorrência de
culpa in vigilando (ausência de fiscalização). A juíza explica que, ao
contratar uma empresa prestadora de serviços, a contratante tem o dever de
fiscalizar a idoneidade financeira da contratada, já que a tomadora de
serviços é a beneficiária direta da força de trabalho terceirizada. Dessa
forma, reiterou a julgadora que a administração pública não está isenta da
obrigação de fiscalizar a empresa contratada. Muito pelo contrário, a
própria Lei de Licitações traz esse dever de fiscalização expresso em seu
artigo 67, o qual determina que o administrador deve exigir da contratada a
comprovação mensal dos registros dos empregados e o cumprimento das
obrigações trabalhistas e previdenciárias. De acordo com o artigo 87, III e
IV, da Lei de Licitações, cabe à administração pública, em conseqüência da
inexecução de contratos, aplicar sanções à contratada, como a suspensão
temporária do direito de participar de licitação, o impedimento de contratar
com órgãos públicos e a declaração de sua inidoneidade.
Ao examinar os documentos juntados ao processo, a magistrada considerou
evidente a culpa da UFV. O relatório da comissão instalada pela própria UFV
para avaliação sobre os contratos mantidos com a fornecedora de mão-de-obra
registra diversas irregularidades, tais como atrasos salariais e desvios de
função. Para a juíza, foram esclarecedores os depoimentos do procurador da
UFV e de gestores do contrato, prestados à comissão. Essas declarações
levaram a julgadora a concluir que a UFV foi conivente com a situação
irregular de sua prestadora de serviços. Isso porque, conforme revelaram os
depoimentos, a UFV interferia na contratação de pessoal da empresa
terceirizada, com o intuito de beneficiar parentes e amigos. Além disso, não
atendia às solicitações dos gestores e os mantinha despreparados para a
tarefa, sem o devido treinamento. Portanto, concluiu a juíza que a UFV não
tomou as providências recomendadas a fim de evitar que a situação se
tornasse uma calamidade, com a dispensa de mais de 200 empregados, sem o
pagamento dos direitos trabalhistas. Além disso, chegou ao conhecimento da
magistrada o fato de que essa situação se repetiu com as novas empresas
contratadas. Assim, diante da omissão da tomadora dos serviços, a julgadora
decidiu que ela deve responder pelos créditos trabalhistas que não foram
pagos. Há recurso aguardando julgamento no TRT mineiro.
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